sábado, 16 de maio de 2020

Boas Leituras com Estorias de Vidas



NOTA PRÉVIA – Alerta!

Estilhaços… das guerras ultramarinas” porquê?
 
Ora, ainda estão frescas as chagas das feridas que nos roem os melhores anos da vida. Muitos fecharam-se no silêncio dos seus traumas, tentando esconder as verdades do tempo dos embarques sem retorno, da guerra sem fim à vista. A memória parece que hibernou nas catacumbas do sofrimento, enquanto o corpo sobrevive ao trauma das angústias incrustadas nas emoções oprimidas.
O drama dos traumatizados da guerra persiste, porque a guerra ainda não acabou… para eles! Desgraçadamente, os governantes da nação esqueceram os milhares de Combatentes que sofrem os efeitos dos “estilhaços” que continuam a remoer o corpo e a alma. Mesmo aqueles que conseguiram passar as barreiras burocráticas, esbarram no desconhecimento, no desleixo e, até, na má vontade dos profissionais dos Centros de Saúde e dos consultórios médicos, percorrendo um fadário desesperante. Todos os dias vemos casos de flagrante desprezo e criminoso desleixo para com os doentes pós-traumáticos com stress de guerra – andam mais de dez anos a correr de consultório em consultório, num enredo de enlouquecer.
O resultado de várias consultas que acompanhamos são vergonhosos – mais de 90% dos Centros de Saúde e dos seus profissionais desconhecem a Rede Nacional de Apoio! Pois bem… há instituições a receber dinheiro do orçamento do Estado, que gastam em proveito próprio, à conta dessa rede. E o que faz o Ministério da Defesa Nacional? Dá o dinheiro e lava as mãos… Mas temos que saber quem recebeu, ou gastou, os 18 milhões do orçamento de 2019, destinados aos Combatentes?  
(Decreto-Lei 50/2000 – Despacho Conjunto 364/2001, Ministério da Defesa Nacional)

 



Eis a guerra!

Não perguntem porque andei na guerra. Talvez, porque fui empurrado para a guerra. Mas poderia responder com mais convicção: estou envolvido em várias guerras, porque o meu combate não tem fronteiras! Se conseguirei acabar com as guerras? Pelo menos, tento acabar com o obscurantismo que empobrece os meus compatriotas.

Glória aos homens Combatentes, a nossa força não abranda com o escárnio dos homens pequenos, homens desprovidos de sentido patriótico.
Confirmo o empenho e renovo a esperança na luta pelo reconhecimento dos nossos préstimos à Pátria.


  

A guerra ainda não acabou”

       Conheci Joaquim Coelho em 2016, em Vila Nova de Gaia. Concedeu-me uma entrevista sobre a sua participação na Guerra do Ultramar que vou integrar na minha tese de doutoramento, ainda em construção. Nesse dia, perguntei-lhe porque é que escrevia livros sobre o conflito ultramarino. Respondeu-me que não o fazia por “trauma”: “escrevo porque quero dar a conhecer o que se passou na guerra. Os meus traumas ficaram todos lá: quando eu regressava ao quartel, depois de uma missão no mato, passava todos os meus traumas para o papel. Escrever fazia-me bem, era uma forma de desabafar”. Hoje – disse-me – Joaquim Coelho sente-se na obrigação de trazer o passado para o presente, porque “a história está muito mal contada”: “uma guerra que envolveu diretamente mais de um milhão de homens e indiretamente mais de dois milhões de familiares, durante 13 anos, não pode passar ao lado da História de Portugal”. Durante a entrevista, Joaquim Coelho destacou ainda que considerava “injusto” que Portugal ignorasse “o grandioso esforço dos combatentes na guerra. Mas não cruzo os braços, porque a guerra ainda não acabou: só acabará quando morrer o último soldado”.
     Joaquim Coelho continua, de facto, a lutar para que a guerra que conheceu chegue ao futuro. Combate agora com a arma da paz: a palavra. Em “Estilhaços…”, à semelhança do que fez noutros livros, apresenta histórias em “carne viva”, pensamentos de ontem e de hoje, memórias que o tempo não apaga. São relatos sem papas na língua, que nos fazem viajar a Angola e a Moçambique, ao teatro de operações. Joaquim Coelho dá a conhecer a “realidade” porque a conhece bem e porque dela não tem medo, afinal faz parte do seu percurso de vida. Por vezes, admite, “veste-a” de poema para a aligeirar, dando-lhe outra dimensão e atenuando o “desconforto”. Porque “a guerra nunca foi capaz de contar histórias”, o seu testemunho é um bem precioso.
                                                                                Sílvia Torres (a)
(a) – Grande entusiasta no estudo da imprensa jornalística das guerras ultramarinas; tem Formação em Comunicação Social e abraça a difícil profissão de Jornalista; prepara doutoramento.
 

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