NOTA PRÉVIA
– Alerta!
“Estilhaços…
das guerras ultramarinas” porquê?
Ora, ainda estão frescas as chagas das
feridas que nos roem os melhores anos da vida. Muitos fecharam-se no silêncio
dos seus traumas, tentando esconder as verdades do tempo dos embarques sem
retorno, da guerra sem fim à vista. A memória parece que hibernou nas catacumbas
do sofrimento, enquanto o corpo sobrevive ao trauma das angústias incrustadas
nas emoções oprimidas.
O
drama dos traumatizados da guerra persiste, porque a guerra ainda não acabou…
para eles! Desgraçadamente, os governantes da nação esqueceram os milhares de
Combatentes que sofrem os efeitos dos “estilhaços” que continuam a remoer o
corpo e a alma. Mesmo aqueles que conseguiram passar as barreiras burocráticas,
esbarram no desconhecimento, no desleixo e, até, na má vontade dos
profissionais dos Centros de Saúde e dos consultórios médicos, percorrendo um
fadário desesperante. Todos os dias vemos casos de flagrante desprezo e
criminoso desleixo para com os doentes pós-traumáticos com stress de guerra –
andam mais de dez anos a correr de consultório em consultório, num enredo de
enlouquecer.
O
resultado de várias consultas que acompanhamos são vergonhosos – mais de 90%
dos Centros de Saúde e dos seus profissionais desconhecem a Rede Nacional de
Apoio! Pois bem… há instituições a receber dinheiro do orçamento do Estado, que
gastam em proveito próprio, à conta dessa rede. E o que faz o Ministério da
Defesa Nacional? Dá o dinheiro e lava as mãos… Mas temos que saber quem
recebeu, ou gastou, os 18 milhões do orçamento de 2019, destinados aos
Combatentes?
(Decreto-Lei 50/2000 –
Despacho Conjunto 364/2001, Ministério da Defesa Nacional)
Eis a guerra!
Não
perguntem porque andei na guerra. Talvez, porque fui empurrado para a guerra.
Mas poderia responder com mais convicção: estou envolvido em várias guerras,
porque o meu combate não tem fronteiras! Se conseguirei acabar com as guerras?
Pelo menos, tento acabar com o obscurantismo que empobrece os meus
compatriotas.
Glória aos homens Combatentes, a nossa força não
abranda com o escárnio dos homens pequenos, homens desprovidos de sentido
patriótico.
Confirmo
o empenho e renovo a esperança na luta pelo reconhecimento dos nossos préstimos
à Pátria.
“A guerra ainda não acabou”
Conheci Joaquim
Coelho em 2016, em Vila Nova de Gaia. Concedeu-me uma entrevista sobre a sua
participação na Guerra do Ultramar que vou integrar na minha tese de
doutoramento, ainda em construção. Nesse dia, perguntei-lhe porque é que
escrevia livros sobre o conflito ultramarino. Respondeu-me que não o fazia por
“trauma”: “escrevo porque quero dar a conhecer o que se passou na guerra. Os
meus traumas ficaram todos lá: quando eu regressava ao quartel, depois de uma
missão no mato, passava todos os meus traumas para o papel. Escrever fazia-me
bem, era uma forma de desabafar”. Hoje – disse-me – Joaquim Coelho sente-se na
obrigação de trazer o passado para o presente, porque “a história está muito
mal contada”: “uma guerra que envolveu diretamente mais de um milhão de homens
e indiretamente mais de dois milhões de familiares, durante 13 anos, não pode
passar ao lado da História de Portugal”. Durante a entrevista, Joaquim Coelho
destacou ainda que considerava “injusto” que Portugal ignorasse “o grandioso
esforço dos combatentes na guerra. Mas não cruzo os braços, porque a guerra
ainda não acabou: só acabará quando morrer o último soldado”.
Joaquim Coelho continua, de facto, a lutar
para que a guerra que conheceu chegue ao futuro. Combate agora com a arma da
paz: a palavra. Em “Estilhaços…”, à semelhança do que fez noutros livros,
apresenta histórias em “carne viva”, pensamentos de ontem e de hoje, memórias
que o tempo não apaga. São relatos sem papas na língua, que nos fazem viajar a
Angola e a Moçambique, ao teatro de operações. Joaquim Coelho dá a conhecer a
“realidade” porque a conhece bem e porque dela não tem medo, afinal faz parte
do seu percurso de vida. Por vezes, admite, “veste-a” de poema para a
aligeirar, dando-lhe outra dimensão e atenuando o “desconforto”. Porque “a
guerra nunca foi capaz de contar histórias”, o seu testemunho é um bem
precioso.
Sílvia Torres (a)
(a) – Grande entusiasta no estudo da
imprensa jornalística das guerras ultramarinas; tem Formação em Comunicação
Social e abraça a difícil profissão de Jornalista; prepara
doutoramento. |