À Assistente Doutora Luciana Silva,
Directora da Comissão para a
“Antologia de Poesia da Guerra Colonial”.
Porque escrevo para descrever alguns estados de Alma?
Quando acompanhava o poeta Pedro
Homem de Melo, na apreciação dos Ranchos Folclóricos que deveriam ser
escolhidos para exibição na Televisão, deambulei por diversas terras do
interior do Minho e das Beiras, onde fui sensibilizado para escrever algo em
forma de poema. As paisagens e o ambiente rural desenvolveram em mim a mística
da simplicidade dos camponeses e comecei a escrever versos para os Ranchos
Folclóricos. O Professor Pedro Homem de Melo ficava horas e horas sentado à
beira dos riachos a meditar; de quando em vez, também escrevia. Foi um tempo de
grande aprendizagem, até porque este homem de Afife também foi meu professor.
Os primeiros poemas foram
publicados na revista INICIAL do Colégio João de Deus, do Porto, e depois na “Notícia”
de Angola e com crítica bastante favorável. Outros foram publicados em
Moçambique “Jornal da Beira”, “Diário de Moçambique”, onde tive problemas com a
Censura; também publiquei no boletim militar “Boina Verde”.
Conhecia o poeta Egito Gonçalves de
quando frequentámos o Teatro Experimental do Porto, no tempo em que era
dirigido pelo grande António Pedro, entre 1957-60. Tempos depois de regressar
da tropa (1969), falei-lhe nos poemas do diária de guerra e logo ele se prestou
a colaborar na preparação de um livro com a finalidade de concorrer ao concurso
da Editorial Inova. Decorria o ano de 1972. Escolhidos os poemas, organizou-se
o livro que foi levado a concurso. Eram 168 poemas, quase todos sobre o tempo
da guerra do ultramar. Dias antes da decisão do Júri, soube que a Comissão de
Censura interferiu e a PIDE apreendeu o molho dos meus poemas. Nunca mais soube
deles, porque ninguém arriscava dar-me informações. Fui aconselhado a ficar
quieto. Até o “Prefácio” que abria o livro “Tempo Presente, poemas da guerra e
da paz” foi confiscado. Junto fotocópia da capa e o texto do Prefácio.
Veio a revolução do 25 de Abril;
tudo começou a mexer nos textos apreendidos. Também fui à procura, tendo
encontrado 21 dos 168 poemas. Ao tempo não havia condições de fotocopiar e
parte dos rascunhos estavam destruídos. Desanimei na divulgação, mas fui
passando a limpo os rascunhos do diário que escrevi nas horas difíceis da vida em
tempo de guerra. Ainda não está tudo pronto, mas deu para organizar cinco
livros de poemas e três de texto narrativo do ambiente no meio da guerra. Poemas,
são cerca de 430 de Moçambique, mais de 340 de Angola e mais de 840 de
Portugal.
Foram escritos por impulso e sem
respeitar qualquer regra literária. São a expressão dos estados de alma nos
momentos mais delicados das minhas vivências temporais. Há de tudo um pouco,
desde ideias filosóficas, deslumbramento de amores, angústias e incertezas no
meio da guerra e intervenção social. Quanto a publicação dos livros, as editoras
têm pouco interesse em o fazer às suas custas. Mas tive duas que o fizeram com
sucesso, tendo ganho um prémio da Academia francesa, com o “Despertar dos
Combatentes”.
Atendendo a que a guerra colonial
me marcou para o resto da vida, tenho procurado mostrar que houve uma guerra
que mexeu com a vida de mais de quatro milhões de bons portugueses (entre
militares e respectivas famílias), matou cerca de dez mil, estropiou mais de
trinta mil e traumatizou mais de duzentos mil. Enfim, aniquilou os sonhos de
muitos homens duma geração. Coisa que tem sido escamoteada e desvirtuada pelos
governantes e pelos decisores da sociedade, inclusive, pelos “senhores coronéis
e generais” que ao tempo comandavam as tropas.
Grande parte dos escritos
conhecidos sobre a guerra colonial são de gente que não teve intervenção
directa e, como tal, não sofreu na pele os efeitos da guerra. Em alguns casos, de
Manuel Alegre e António Lobo Antunes, aparecem afirmações que são autênticos
insultos aos verdadeiros Combatentes. Os antigos combatentes estão indignados
com as mentiras e o modo redutor e infiel como são tratados. Até a RTP, no seu
programa “A Guerra”, deu mais tempo de antena aos comandantes (muitos deles
responsáveis por terem ficado abandonados mais de três mil mortos nas terras
africanas) e aos mentores das chacinas que atingiram muitos civis portugueses,
especialmente em Angola, não dando palavra àqueles que participaram nas mais
complicadas operações de guerra. No meu caso, disponibilizei mais de três mil
fotografias e prestei depoimento gravado durante 35 minutos e só apresentaram
50 segundos numa questão de reduzido interesse factual. Mas, alguns dos
representantes da UPA-FNLA que aparecem na Televisão são bem conhecidos na arte
de mandar massacrar inocentes indefesos no Norte de Angola; deviam ter sido
julgados por genocídio e crimes de guerra.
Ora, como podem entender, não
acredito que a recolha de temas sobre a “Poesia da Guerra Colonial” venha a
interessar aos combatentes, já que tudo quanto se fez até ao presente foi para
servir de amostragem e deleite duma pseudo-elite intelectual que nada tem feito
em prol das necessidades dos combatentes traumatizados pelas vivências no meio
da guerra. Mesmo assim, estou disponível para colaborar, desde que a Antologia
de poesia da Guerra Colonial seja um instrumento de divulgação em homenagem aos
antigos combatentes.
Valongo, Março de 2010
Joaquim Coelho