Razão da ida à Guerra
Por
natureza, nenhum ser humano deseja a guerra. Os antepassados transmitiam o
espírito de luta aos mais novos, por razões de sobrevivência, na disputa dos
territórios e dos bens necessários ao consumo humano. Naturalmente que as pessoas
tendem a defender aquilo que lhes pertence, mas ninguém tem vocação para o
sofrimento que as guerras impõem aos seus participantes directos. Admite-se que
muitos soldados têm relutância em combater, especialmente quando desconhecem a
causa do combate. Mesmo o discurso do patriotismo não funciona para todos os
cidadãos de igual modo, tendo em conta as mudanças sociais, a idade, o estatuto
social ou a identidade com a Pátria.
No caso
português, quase todos os combatentes foram empurrados para a guerra em
circunstâncias adversas aos seus interesses, com fundamento na preservação do
território português, tão propagado pela comunicação social e nos discursos
oficiais. As características do povo português têm pouco de guerreiros mas
muito de inocência ou moralismo ancestral, porque sempre fomos um povo mal
compreendido pelos governantes com o complexo de superioridade justificado no
compromisso mais absurdo da condição humana. A pregação dos superiores
hierárquicos nunca foi capaz de justificar as razões da guerra nas terras
ultramarinas, gratificante para alguns que colheram bons proventos, mas
desgastante e dolorosa para a generalidade dos combatentes. Por razões de
conveniência partidária, política e interesses militares, o abandono das terras
ultramarinas criou graves prejuízos a muitos milhares de cidadãos que lá
viviam, sendo a culpa da descolonização atirada para cima dos combatentes
desmobilizados e abandonados à sua sorte. Por isso, aqueles que conseguiram
integrar-se na sociedade, trabalhar e participar no desenvolvimento do país,
tiveram o mérito de galgar as dificuldades e viver; já o mesmo não aconteceu
com os que nunca conseguiram limpar da sua mente os traumas dos momentos
difíceis, os quais continuam a carregar dentro de si as imagens terríveis dos
mortos e esfacelados caídos a seu lado. Todos merecem respeito e
reconhecimento, mas estes merecem, também, solidariedade pública.
Admitindo
que muitos dos combatentes entenderam a sua missão fundamentada no sentimento
de solidariedade para com os portugueses daqueles territórios, raramente o
fizeram com o espírito de luta pela pátria, com consciência heróica. Freud
soube definir as premissas que podem levar “os heróis ao espírito de luta” como
justificativo da defesa duma comunidade que conduza ao conflito com significado
moralista ou de defesa; daí se possa concluir que ninguém vai à guerra para ser
herói, porque o sacrifício da própria vida não o justifica, especialmente
quando os governantes desprezam a elite de homens que revelaram um estado de espírito
altruísta e abnegado em circunstâncias severamente adversas na defesa das
causas da Pátria. Embora não fossem bem compreendidos na sua missão, não
desertaram… e cumpriram o sagrado dever que a Pátria lhes impôs, transmitindo à
sociedade os valores duma elite moral e cívica que é cada vez mais rara entre a
juventude.
É por tais
razões que os combatentes são merecedores do respeito e do reconhecimento da
Nação, especialmente dos organismos oficiais que devem proporcionar condições
de vida tranquila, criando centros de apoio social, psíquico e psicológico para
reparar as feridas invisíveis mas que podem ser detectadas em muitos dos
intervenientes na guerra. O reconhecimento passa também pelos apoios
sócio-económicos para os que não conseguiram integrar-se na vida profissional
activa devido às mazelas resultantes da permanência em
ambiente de guerra, que, objectivamente, causou estragos irreversíveis no
miocárdio e no cérebro, levando ao desgaste prematuro destes órgãos, bem como à
perda de proventos adequados à sua vida normal.
Finalmente,
para os que assumiram o compromisso da defesa das causas da pátria, o
reconhecimento dos esforços dos combatentes pode ser gratificante, em vez da
repulsa e do negativo sentimento de abandono, prejudicial ao espírito de unidade
nacional que se pode reflectir na sociedade civil e nas novas gerações.
Joaquim
Coelho - Presidente da Associação MAC – Antigos Combatentes
e
Coordenador do “Grupo de Trabalho” das Associações